Olho por olho.

(Nossas reviews de The Americans estão atrasadíssimas por questões porque trabalho como espião para a Interpol e estava disfarçado em missão no exterior. Mas já estamos regularizando a situação e alcançaremos o episódio 11 dentro dessa semana.)

Posso afirmar com segurança que não me surpreenderei se The Americans for considerada como candidata a melhor série dramática do ano. Até agora não tivemos um único episódio fraco e os dois últimos (9 e 10) vêm num crescendo de excelência. Assim, mesmo que o desfecho do personagem Amador já fosse previsível, foi carregado de emoção e as circunstâncias relacionadas a isso geraram consequências ainda mais intensas e decisivas.


Já era de se prever que os caminhos de Amador e de Phil (a quem, aliás, fico tentado constantemente a chamar pelo nome verdadeiro, Mischa) se cruzariam, afinal Amador estava fazendo campana em frente à porta da do prédio de Martha (quase como um amante rejeitado desvairado). E também previ que isso seria fatal a Amador, pois Phil não poderia ser desmascarado assim na primeira temporada. Mas o impacto de toda a trama foi fulminante.

Mas vamos voltar um pouquinho na história. As emoções já começaram com Phil e Elizabeth partindo em mil pedacinhos os coraçõezinhos dos adoráveis Henry e Paige. Confesso que não sou muito chegado a crianças e pré-adolescentes, mas no quesito simpatia esses dois realmente me conquistaram. E suas reações emocionais são perfeitas para jovens dessa idade e vivendo no início dos anos 80.

Os roteiristas souberam muito bem construir esses personagens, inclusive a caracterizar as, digamos, crianças (nem tão crianças assim) como adoráveis e Phil como o Pai simpático e muito legal, apesar de sabermos que em seu trabalho (e não me refiro ao de agente de turismo) Phil tem que fazer coisas horríveis em nome da boa e velha Pátria Mãe Russa.


Fica, assim, o papel de vilã para Elizabeth, uma pessoa calejada, mais difícil com quem se lidar, mais fria e calculista, e que têm sérias barreiras para demonstrar seus sentimentos. Mas, notem bem, fica evidente o quanto ela ama e protege seus filhos. E, mesmo assim, eu não gosto dela! E (como se trata de um personagem fictício, evidentemente), se ela dissesse pela terceira vez que sua separação era “para melhor”, eu juro que ia querer que ela levasse um tiro (pelo menos metafórico). Em outras palavras, fica de parabéns a atriz Kerri Russell.


Assim aproveitando as férias conjugais, o simpático Clark (que, numa coleção de bonecas matryoshkas de nomes falsos, também é conhecido como o simpático Phil, que também é conhecido, não perca a conta, como o simpático Mischa) ouvia juras de amor eterno de uma Martha mais do que cega após passar a noite de sexo selvagem sem que ele perdesse os óculos ou desarrumasse a peruca. Sinceramente, quando ela perguntou a “Clark” “Isso é real?” (e ele, com a cara de pau mais natural do mundo respondeu que sim) fiquei com vontade de gritar na cara dela: “Acorda, querida! A verdade está na tua cara e tu não queres ver.” E aí fiquei pensando. Phil consegue fingir que está apaixonado e enganar Martha, apesar de isso não ser tão difícil assim. E Elizabeth já seduziu outros homens. Mas tenho dificuldade em ver Elizabeth degelando aquela frieza siberiana e conseguindo fingir estar apaixonada.

E foi assim que os caminhos de Amador e Phil se cruzaram. Não por méritos investigativos de Amador que, francamente, era um péssimo agente, mas por ciúmes e abuso de autoridade... O que se seguiu foi uma morte lenta e dolorosa, apesar de receber os melhores cuidados que o improvisado Hospital de Campanha dos Jennings para prisioneiros da KGB poderia proporcionar.


O episódio serviu para conhecermos melhor o personagem Chris Amador. Aprendemos que ele se considerava um artista da contra-espionagem e que sua única distração era... Digamos que, por elegância, eu prefira não traduzir a palavra “pussy”, mas essa era sua distração. Segundo ele, uma metáfora para “toda a enchilada”. Interprete isso como quiser.


Durante a estada de Amador sob a hospitalidade dos Jennings, aprendi o seguinte. Ele era lascivo (tentou passar uma cantada em Elizabeth, mas, admitamos, ela com aquela peruca e óculos ficou mesmo bem bonitinha, no estilo professora bem comportada), corajoso (nunca demonstrou medo, alegou nada saber quase até o fim e não revelou o nome de Nina como a infiltrada pelo FBI na Rezidentura), e incompetente (acabou, num ato de bravata, revelando o nome do alvo: Arkady). E muito chato; o Stan devia ser muito amigo dele para aguentar aqueles papos dos flashbacks.


E aí entra em cena nosso amigo Stan. Totalmente transtornado, sua transformação foi assustadora. Para começar, foi completamente hostil com Nina e a machucou. Depois, resolveu participar do plano louco de Gaad de assassinar o chefe em exercício da Rezidentura Arkady e, finalmente, sequestrou, aterrorizou e, por vingança, terminou assassinando o pobre do jovem Vlad, o funcionário mais inútil e menos informado de toda a KGB. Mais uma vez, The Americans soube muito bem como jogar com nossas emoções, pois, se antes eu torcia por Stan (e, paradoxalmente, pelos Jennings também), eu agora o desprezo. Descanse em paz, Vlad: nunca o conheci, nunca me importei...


Questões aleatórias:

- Cuidado, atores. Se seu personagem até então obscuro recebe muitos flashbacks e falas memoráveis num único episódio, significa que vai morrer.
Beeman: “Então você é um artista da contra-espionagem?”
Amador: “Sim, como Picasso. Só que com um revólver, não um pincel. Meu trabalho é minha vida, e minha vida é minha arte.”


- No início do episódio, Elizabeth questiona se ela e Phil devem ir à festa dos Beeman. Ele argumenta que os dois deveriam ir, pois estarão presentes colegas de trabalho de Stan. Supus que ele queria tentar pescar alguma informação em alguma conversa (afinal até assassinato planejaram lá entre canapés e cervejas). Mas Phil não interagiu com ninguém, e Elizabeth, apenas com Sandra. Aliás, como os Jennings estão constantemente disfarçados em missões em um raio de apenas alguns quilômetros da rua onde moram, quanto menos agentes os vissem como os Jennings, menos arriscado seria... Também acho que teria sido mais emocionante se, quando prisioneiro, Amador tivesse reconhecido Phil e Elizabeth da festa. Aumentaria a emoção e o resultado final seria o mesmo.


- FBI não planeja assassinatos políticos. Isso, simplesmente, não é realista, e espero que The Americans não sofra da Síndrome de Homeland, em que a credibilidade vai por água abaixo para gerar suspense, ainda que muito bem feito. Quem executa esse tipo de coisa é a CIA. Está certo que Gaad deixou claro que era uma operação voluntária, não autorizada e que contava com o auxílio de seus “velhos amigos da CIA”. Mas se transpirar alguma informação sobre esse plano sujo e doido para os escalões superiores, Gaad será demitido na hora, e os participantes, investigados. E Stan certamente será preso.


- Pessoal com status diplomático nunca é alvo de tramas desse tipo. A confiança na inviolabilidade do status diplomático e consular é muito frágil, mas precisa ser mantida a todo custo. O que acontecerá agora? Os russos assassinarão a secretária da embaixada americana em Moscou? Se acontecesse isso na vida real, seria aberto um precedente perigosíssimo. O Iran tornou reféns os funcionários da embaixada americana em Teerã em 1979, mas esse foi um caso muito diferente.


- E por falar em credibilidade, até onde o personagem Martha é crível? Passa uma noite inteira com ele, fazem sexo, dormem juntos e ela nem nota que ele usa peruca? Ou que seus óculos não são de grau? Clark é um homem que ela só vê quando ele a visita em seu apartamento. Ela nunca foi ao apartamento ou ao trabalho dele, nem sequer saíram para dar uma volta no quarteirão juntos! E ela nem tem o telefone dele, e ele desaparece por relativamente longos períodos e reaparece assim do nada. Sei que o amor é cego, mas assim já não é demais?


- Mais uma do Stan: resolveu apostar a vida de Nina na resistência heroica de Amador. Até o desalmado Gaad levantou mais de uma vez a possibilidade de extrair a informante russa. Aparentemente quem achou que o amor faria com que Stan lutasse para honrar o acordo com Nina está enganado.


- Arkady: salvo por uma batata explosiva e um forno de micro-ondas defeituoso. É, eu me lembro bem. Os micro-ondas dos anos 70 e 80 eram porcarias, tinham a fama de vazar radiação e havia o perigo de explosões. Mas eram bem espaçosos.


- Adorei o trabalho escolar de Henry: “A Guerra Revolucionária. A América ganhou. Fim.” Não é o que importa? Pelo menos era assim que eu estudei História no Primeiro Grau: movimentos revolucionários complexos eram reduzidos a um fato e uma data. Independência dos Estados Unidos: 1776; Revolução Francesa: 1789; Independência do Brasil: 1822...


E essa é a perfeita metáfora para o show, pois no final o que importa é que a América ganha.



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