Entre reações hipócritas e verdadeiras, o canto do cisne de um guerreiro.

(Review do episódio 11 saindo nos próximos dias.)

Em um episódio magnífico, diversos personagens viveram as consequências dos acontecimentos traumáticos do episódio anterior. E o que marcou foram as reações extremadas de vingança, violência ou hipocrisia que alguns personagens demonstraram. Em vários casos, fiquei imaginando o que diria um personagem em uma confrontação sobre suas contradições.


No lado do FBI, Stan continuou com cara de poucos amigos e o assassinato de Vladimir Kosygin não aplacou sua sede de “justiça”, ou seja, vingança/sangue vermelho. E Gaad continuou a conduzir sua equipe tendo o cumprimento da lei como uma mera formalidade. Assim, ele deixou claro que todos os esforços seriam feitos para prender os culpados, ou, de preferência, para colocá-los no necrotério. E também tranquilizou Stan deixando claro que ele não deveria se preocupar com o singelo fato de haver executado covardemente um prisioneiro.


E eu fiquei pensando se aquilo seria mesmo política do FBI (o que duvido muito) ou a atitude de um chefe sanguinário que acha que pode conduzir o FBI com as mesmas operações ilegais conduzidas na CIA. Mas alguém precisaria lembrá-lo que, como oficial da lei, ele prestou um juramento. O fato é que a situação altamente emocionante está definida: há uma guerra entre o FBI e a KGB, mesmo que não declarada. Mas mesmo guerras têm regras.


Os traumas repercutiram até dentro do lar fraturado dos Jennings. Paige não deu sossego à sua mamãe ursa, acusando-a diretamente de desejar e provocar aquela situação desagradável ao provocar a separação com seu pai, Phil. E, nesse momento, Elizabeth perdeu as estribeiras e, num gesto de raiva contida, fez uma ameaça velada à filha: “Você sabe o que minha mãe faria comigo se eu lhe falasse dessa maneira?”

E foi aí que eu morri de vontade de que alguém dissesse para Elizabeth, “Não, Elizabeth, não sei que sua mãe faria. Por favor, conte-nos. Estamos muito interessados em saber! Fale em detalhes. Quem era ela mesmo? Onde vocês moravam? Ela ameaçava denunciar crianças malcriadas à polícia do partido? Mandava para a Sibéria? Mandava a filha passar a noite na neve na fila do pão velho?” Fiquei imaginando que história maluca ela e Phil teriam que ter contado para Paige e Henry sobre seus avôs e avós. Eu, por exemplo, sei em detalhes sobre a vida de meus avôs e avós, e até, quando criança, cheguei a conhecer minha bisavó. Claro que nem todo mundo tem essa sorte, mas esses dois jovens nem fazem ideia de em quantas mentiras suas vidas são baseadas.


De qualquer maneira, a tensão do momento foi esvaziada com a chegada inesperada do papai Phil. Como é comum nos casamentos, muitas vezes um dos pais fica com fama de bonzinho e o outro leva a culpa. No caso, o papel de megera coube a Elizabeth.

E aí entramos no acontecimento que desencadearia outra série de eventos dramáticos. No caso, o anel de Amador não foi encontrado, e logo descobriríamos que o agente morto teve um lampejo de esperteza que não lhe era característica e ocultou a joia em alguma fresta do porta-malas, o que levou ao fim de um importante aliado dos Jennings. Ah, se não fosse esse maldito anel!


Espionar essencialmente é saber mentir de maneira convincente. E foi o que Phil fez com a maior cara de pau quando Stan o visitou bêbado em seu deprimente quarto de motel e lhe contou sobre a morte de Amador. “Jesus! Sinto muito! Quem fez isso?” O fato é que, se Stan fizesse ideia de quem era seu vizinho e amigo, um dos dois não sairia vivo daquele quarto.


Agora, a cena sensacional que me deu um nó no estômago foi quando Stan interpelou Nina sobre o que ela saberia sobre a morte de Amador. Mas a emoção demonstrada pela beldade russa foi tão contagiante que encurralou Stan, chegando a virar o jogo e ela é que passou a interrogá-lo. “Quem matou Amador? O que eu quero saber é quem matou Vlad!” Stan, visivelmente sem jeito, ainda tentou alegar desconhecimento e voltar á carga com suas perguntas sobre Amador. Mas ela não parava de lamentar a morte do amigo Vlad. É, Stan, por favor, diga-os o que pode ter acontecido com Vlad! É impossível que você não saiba de alguma coisa.

E Nina, minha bela, por favor, use essa cabecinha linda para pensar para variar. Vlad era seu amigo, mas foi quem mais perto chegou a desmascará-la com sua aparente desconfiança sobre suas suspeitas e constantes visitinhas ao arquivo de documentos confidenciais, lembra? Está certo, Vlad era um homem bom e honrado. Mas, e por falar em homem honrado, tem notícias do Vasili? Já marcaram a execução dele por traição, acusação que você ajudou a forjar para salvar seu belo pescoço?

E tem mais, Nina. Pense só um pouquinho. Você sabe que um homem não identificado ameaçou Vlad de morte de a KGB não libertasse Amador, agente do FBI. Agora você sabe que Amador morreu, logo só pode ter sido em represália pela morte de Amador. E quem, além do FBI, poderia ter orquestrado esse ato? E, nesse caso, como seria possível um agente experiente e importante como Stanley Beeman não fazer ideia do que aconteceu com Vlad? Como você ainda pode acreditar em alguma coisa que Stan lhe diz?


Mas talvez justamente porque a vida dela está nas mãos de Stan é que ela preferiu acreditar em suas doces mentiras, ou seja, de que ele “faria o possível” para resolver o assassinato de Vlad.


Pois é, voltando à questão do anel de Amador... As peças começam a cair como uma fileira de dominós, e a primeira delas é Curtis, braço direito de Gregory. Ao ser preso, dava para ver que Curtis dificilmente cooperaria e entregaria seus amigos. Mas Stan sabia que botões apertar. Basicamente, bastou confrontar Curtis com a realidade: “Você tem ideia de para quem você está trabalhando? Podemos não ter muita coisa em comum, mas ambos somos americanos. Certo? CERTO?!?” Imagino que Curtis se sentiu, digamos, ligeiramente traído quando pensava estar no inocente negócio de drogas, raptos e assassinatos, mas descobriu estar cometendo traição contra seu país.

E aí chegamos ao grande bode expiatório da história: Gregory. Imediatamente a equipe de Claudia providenciou que ele fosse conduzido a um esconderijo e preparações fossem feitas para que ele começasse nova vida em Moscou. E, enquanto isso, provas irrefutáveis foram colocadas em suas coisas de modo que as investigações sobre a morte de Amador parassem nele.


Tivemos aí uma série de preciosos momentos dramáticos em que Gregory foi confrontado com a seriedade de sua situação e suas limitadas opções. Para começar, mesmo ele já podendo perceber que sua vida como ela a conhecia chegara ao fim, foi impressionante ver como Gregory e Elizabeth se descontraiam juntos. Pela primeira vez vimos Elizabeth dar um riso solto, espontâneo, descompromissado, feliz. Era trágico ver que Gregory era a única pessoa com quem ela se sentia verdadeiramente à vontade.

E aí vemos todos os mais sinceros esforços de Elizabeth e Claudia em convencer Gregory a embarcar em busca de uma nova vida na capital soviética. Seria a época de colher sua recompensa, disseram-lhe. Claudia foi realista, mas lhe assegurou que, no fim, ele construiria uma boa vida no novo país em um lugar onde teriam orgulho de quem ele era e do que fez. E Elizabeth ainda descreveu Moscou com entusiasmo e paixão, como uma cidade cosmopolita, cheia de arte e cultura e de pessoas que praticamente o idolatrariam.


E foi igualmente dramático ver como nada disso o convenceu. Seria uma ideia que violentaria de tal modo a personalidade de Gregory que ele não conseguiu optar pela vida. Aí vemos uma série de fatores combinados. Muitos americanos são limitadíssimos em questões de cultura internacional, sendo incapazes de verem além de suas próprias fronteiras. E Gregory nasceu no gueto e não conseguia se imaginar longe dele. E o irônico de tudo isso é, no fundo, acredito que ele aceitaria num piscar de olhos a vida em Moscou caso... Elizabeth fosse com ele, claro. Mas se era para abrir mão de seus ideais sociais e políticos e também a mulher que ele amava, então ele preferiu a morte de um guerreiro.

A cena final foi muito bonita e significativa para o quadro do personagem. E como estamos falando de um personagem fictício, fica muito mais emocionante ver um guerreiro lutando e morrendo em batalha, do que receber um tiro no ouvido de um assassino, ou só embarcando em um avião.  


Porém The Americans é um show que dá uma dimensão humana muito forte aos seus personagens e chegamos a pensar neles quase como se fossem pessoas reais. E sob essa ótica, escolher morrer da maneira como morreu não poderia ter sido uma decisão mais estúpida. Não da parte dos roteiristas (pois foi coerente com o personagem), mas da parte do personagem mesmo. Algumas coisas que me ocorreram:
- A vida é sempre preferível á morte e enquanto há vida, há esperança.
- A morte de Gregory despedaçou o coração de Elizabeth.
- Pelo menos um policial que não tinha nada a ver com a história morreu ou ficou gravemente ferido.
- Pessoas inocentes contra quem Gregory nada tinha poderiam ter se ferido ou sido mortas no tiroteio.
- Houve desnecessária destruição de propriedade.
- Houve um risco desnecessário para Philip e Elizabeth, pois se a polícia tivesse um pouquinho de massa cinzenta, teria feito o possível para capturar Gregory vivo.
- Em vez de entrar para a história russa como herói, Gregory preferiu encerrar sua vida como um bandido barato.
- As ações espalhafatosas da despedida de Gregory desencorajariam outros a seguirem na mesma luta por igualdade social nos EUA.
- Se vivesse, Gregory seria uma inspiração para muitos. Morto, sua luta poderá ter sido em vão.

Homenagem musical:

Vale a pena conferir a canção usada de fundo na despedida de Gregory.
“To Love Somebody”, de Roberta Flack





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