O jeito mais prático de usar duas fórmulas da TV e ainda fazer merda.
Elementary é a versão da CBS para Sherlock Holmes, o excêntrico detetive criado por sir Arthur Conan Doyle em 1887, sendo esta a 24ª adaptação da obra. Com o atual sucesso de Sherlock nos cinemas e também na TV, chegou a hora de Holmes abandonar a Scotland Yard e a antiga Londres, e ir para New York.
Mas a tentativa de adaptação foi frustrada. Basicamente, podemos usar duas formas de encarar Elementary: como uma adaptação de Sherlock, ou apenas como uma nova série policial. Vamos ver porque nas duas fórmulas nada deu certo.
Como adaptação de Sherlock
Primeiro, Watson agora é mulher. Eu até diria que sir Arthur está se revirando no túmulo por isso, mas temos que considerar dois fatores: por possuir "direitos", apenas a BBC pode fazer uma adaptação televisiva de Sherlock atualmente. Segundo, o showrunner de Elementary, Robert Doherty (Medium, Tru Calling, Ringer) jurou de pés juntos que não haverá romance entre os dois, ou seja, a mudança de gênero de Watson implica apenas nisso: mudança de gênero.
Ainda assim, esta é uma descaracterização que não dá para ignorar. De qualquer forma, lembra muito séries como Castle e Bones, onde a parceria macho-fêmea é o centro da trama. A pergunta que fica é: eles serão para sempre só amigos? Mesmo se a série chegar à décima temporada, a relação deles será sempre assexualizada, eles sempre viverão sob o mesmo teto como simples colegas de quarto?
Outro ponto a notar é o quanto este Sherlock é sentimental. Não há maior desvirtuação que esta. Sherlock faz o que faz por PRAZER. Quando ele está certo, ele não fica triste pelo vítima do assassinato. Ele fica feliz por se reafirmar outra vez como gênio. Quando ele é rude, ele é rude e pronto. Os que o cercam é que devem se adaptar à sua natureza, não o contrário.
Neste piloto, Sherlock disse várias vezes "I'm sorry" e agiu sob o impulso da emoção. Isso o descaracteriza totalmente. Neste momento ele deixa de ser Sherlock de sir Arthur Conan Doyle e passa a ser apenas mais um "gênio das deduções", no mesmo estilo de House e The Mentalist.
Dá para perceber, no entanto, o esforço de Jonny Lee Miller (Dexter, Eli Stone). Ele se esforça bastante para manter seu Holmes o mais londrino e puro possível. Mas, com o roteiro que tem, todo este trabalho é em vão. Lucy Liu (Southland, Kill Bill) tem o desafio de convencer que uma mudança drástica numa história secular pode fazer sentido, porém nem sua personagem e atuação estão à altura. Já conheço a atuação de Liu de performances anteriores e sei que ela não é uma atriz excepcional, contudo percebo que ela está muito acomodada no novo papel. Não está tentando o suficiente.
Neste piloto, Sherlock disse várias vezes "I'm sorry" e agiu sob o impulso da emoção. Isso o descaracteriza totalmente. Neste momento ele deixa de ser Sherlock de sir Arthur Conan Doyle e passa a ser apenas mais um "gênio das deduções", no mesmo estilo de House e The Mentalist.
Dá para perceber, no entanto, o esforço de Jonny Lee Miller (Dexter, Eli Stone). Ele se esforça bastante para manter seu Holmes o mais londrino e puro possível. Mas, com o roteiro que tem, todo este trabalho é em vão. Lucy Liu (Southland, Kill Bill) tem o desafio de convencer que uma mudança drástica numa história secular pode fazer sentido, porém nem sua personagem e atuação estão à altura. Já conheço a atuação de Liu de performances anteriores e sei que ela não é uma atriz excepcional, contudo percebo que ela está muito acomodada no novo papel. Não está tentando o suficiente.
O detalhe de Sherlock admitir que nem tudo é dedutível, e que ele usa o Google para complementar seus conhecimentos é algo a se estudar. No meio de uma adaptação que foi forçada a ser mais adaptação ainda, esta (outra) descaracterização pode finalmente ser um ponto positivo.
Quanto às demais deduções que ele fez no episódio, ou soaram muito fáceis, ou muito forçadas. Geralmente, o que Sherlock vê, ninguém mais vê, todavia faz sentido e parece verossímil quando ele fala. Em Elementary tais peças não se encaixaram.
O irmão dele, importantíssimo nos livros e na versão britânica, ficou de fora (pelo menos inicialmente). Em seu lugar entrou o pai, que detém um poder financeiro sobre o filho, tendo assim a capacidade de contratar uma babá para ele e ameaçar jogá-lo na rua. Estranho ver Sherlock devendo tanto a alguém desta forma.
Há de se considerar também que Holmes em NY não é assexuado. Ele acha sexo repugnante... mas não é assexuado. Além disso, é por causa de uma MULHER que ele mudou-se de Londres. Ou seja, ele amou uma mulher e possivelmente teve uma relação amorosa com ela (!).
Eu diria, pela segunda vez, que sir Arthur está se revirando no túmulo por isso. No entanto, vejo aqui mais uma tentativa da CBS de se distanciar da BBC... Só que a esta altura já era, né? Se ainda existia algum pedaço de Sherlock nessa história, é aqui que ele morreu.
Como apenas mais uma nova série policial
Se formos olhar para Elementary assim, ela continua fraca. Quer dizer, fica mais fraca ainda. Aí é que ela fica uma Bones 2.0, com os gêneros invertidos. Aqui é o homem que é racional e extremamente objetivo, enquanto a mulher é a sentimental e cheia de mimimi. Veja a conversa deles no caso do paciente que ela matou, por exemplo. Que coisa mais sem graça.
Ela estava pronta para falar o que realmente aconteceu, e porque ele entrou na frente e disse tudo sem "pudor", ela se sentiu ofendida a ponto de se demitir. Não sei se queriam transmitir a manha dela, ou o surgimento da conexão entre eles. Não colou.
Ela estava pronta para falar o que realmente aconteceu, e porque ele entrou na frente e disse tudo sem "pudor", ela se sentiu ofendida a ponto de se demitir. Não sei se queriam transmitir a manha dela, ou o surgimento da conexão entre eles. Não colou.
Quanto ao caso criminal, que bizarro. E não no bom sentido. O marido psiquiatra convenceu sua mulher a passar por milhares de cirurgias plásticas, pintar o cabelo, mudar totalmente a fisionomia, para que um paciente dele, obcecado em matar ruivas, visse a esposa do médico e a matasse. E no meio da história aparece um celular batido na máquina de roupas e depois enfiado num saco de arroz para secar -- e ele é a chave que levou à resolução do crime. Que coisa... indigna de Sherlock. Sem contar que, para um piloto, esta ideia ficou muito aquém do que se espera na apresentação uma série.
Os agentes da polícia de New York repetem as personalidades que vimos na BBC. Bom, isto não era difícil de fazer, a fórmula já está meio batida. Em Londres e na terra do tio Sam todos eles tão estúpidos, não gostam de admitir que Sherlock é mais inteligente, e relutam em colaborar com ele. Lestrade passou a se chamar Tobias Gregson (Aidan Quinn, Prime Suspect) e age como o esperado: quieto enquanto seu consultor faz quase todo o trabalho.
O que se espera, logo de cara, é que em aproximadamente seis episódios haja algum acontecimento importante que mudará a ideia de Watson -- ou completará a que ela já tem. Ela já está interessada na profissão do novo cliente, porém depois de seis semanas esta relação terá, teoricamente, que acabar.
Pelo que vimos, nada funcionou. Elementary precisa de muito (muito mesmo) para sobressair. Não vamos chamá-la de caso perdido -- muitas séries com pilotos piores deram a volta por cima. Mas também não vamos dizer que ela pode criar um novo Sherlock. Não, não há um "novo" Sherlock. Existem muitos personagens, inclusive citados nesta review, que tiram sua essência diretamente de Holmes, e este "Sherlock Holmes" da CBS faz apenas isto. A diferença é que ele também pegou o nome. E só. Todavia ele não foi, não é e nunca será Sherlock Holmes.
O piloto da série vazou na internet antes da data de estreia, que é dia 27 de setembro. Robert Doherty criou Elementary, escreveu o primeiro episódio e é produtor executivo junto com Sarah Timberman (Justified), Carl Beverly (Justified), e Michael Cuesta (Dexter, Homeland).
Olha só como foi a reação de um certo alguém:
Postar um comentário Facebook Disqus