Hit And Miss

A estreia do ano.

Criada por Paul Abbott (Shameless), "Hit & Miss" é uma excelente porém subestimada minissérie britânica que retrata os conflitos de um transsexual não operado, pai e assassino de aluguel. Sim, esta premissa  improvável e até inimaginável causa espanto a primeira vista e pode inclusive soar cômica em dados momentos, porém não foi isto que pude constatar após assistir aos seis episódios desta ambígua, crua e acima de tudo, humana produção da Sky Atlantic.

Definindo sua obra como única, Abbott ainda disse que a série é o resultado de dua ideias distintas que "não deveriam automaticamente caber juntas". A primeira delas havia sido sobre um projeto que figurava a história de uma transsexual mãe de cinco filhos, enquanto a segunda lida com um assassino contratado no melhor estilo "faroeste". Eis que o roteirista une-as e cria uma das séries mais originais dos últimos tempos.

Disfarçada de filme independente, de fato, é uma surpresa ver Hit & Miss como uma produção para a TV, especialmente, pelas escolhas de seu showrunner que retrata a natureza da protagonista Mia de maneira gráfica, sem poupar os telespectadores de cenas frontais e nada modestas de Chloë Sevigny com uma prótese peniana. Dito isto, vale ressaltar a sequência chocante do episódio 1x02 em que o conflito interno da protagonista aparenta atingir o ápice quando Mia decide bater em sua genitália. Além da auto-flagelação, nesta sequência a série também faz alusões a fábula de Pinocchio quando a cada nova agressão, Mia que utiliza no rosto o típico "nariz de mentiroso", cita dolorosos "I'm a real boy" e se auto-intitula uma aberração.

Hit And Miss

São com cenas fortes como esta que a trama de Hit & Miss vai se compondo e o estudo da personagem torna-se meticuloso e verossímil. Ademais, quando a verdade que Mia procura a todo custo esconder é traga a tona, a fragilidade da personagem permite a identificação com o público. Vide momentos como no qual a protagonista é atropelada, internada em uma ala masculina do hospital e tem sua entrada ao banheiro feminino negada.

Além dos conflitos oriundos da sua condição como transsexual, Mia descobre que sua ex-namorada da época em que não se travestia havia morrido de câncer e com ela havia deixado a paternidade de quatro crianças, sendo um deles seu verdadeiro filho. Abbott, experiente por Shameless, lida portanto perfeitamente com o drama familiar e a incisão de Mia neste novo ambiente, ressaltando a importância da célula familiar como nosso alicerce principal para momentos de caos.

Além disso, as filmagens "Hit & Miss" realizadas em Manchestter destacam, através de uma fotografia impecável, a solidão e abandono de seus personagens. No piloto, o sentimento de luto torna-se palpável e se esvai a medida em que Mia conquista a amizade das crianças. Ela protege-os, afaga Riley em seu momento de dor e o laço criado resulta na belíssima cena em que Ryan pede para Mia, na season finale, que retorne a fazenda a chamando de pai.

Por fim, gostaria de agradecer a Arlane Gonçalves pela indicação. E para aqueles que ainda não assistiram a série, peço que o faça. Assim, verão que esta se trata de uma produção distinta de tudo visto nos dias atuais no âmbito comercial da TV e que apesar de ter sido cancelada e encerrada sem um desfecho conclusivo, Hit & Miss pôde nos presentear com seis excelentes, corajosos e construtivos episódios. 

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