Fiona luta na justiça
pela guarda dos irmãos.
Venho lendo na
Internet como Shameless está
gradualmente fazendo a transição entre uma comédia de humor negro para um drama
de primeira qualidade. Essa dualidade sempre esteve presente, mas episódios
como o deste domingo são prova de que os momentos sérios são altamente
dramáticos e intensos.
A história toda
conduziu ao inevitável confronto entre Fiona e Frank pela guarda das crianças.
Sabíamos desde o momento em que a filha ouviu a voz do próprio pai denunciando
a família ao Serviço de proteção à Criança e ao Adolescente que haveria um
confronto, mas eu cheguei a pensar que este seria bem mais explosivo. Contudo
Fiona agiu com equilíbrio e maturidade (e um certo grau de trapaça, claro) e a
Frank apenas restou apelar a um monte de mentiras e fingimento.
Também achei que
os roteiristas encerrariam de vez a história dos lares adotivos, começando o
episódio com todos de volta ao lar dos Gallaghers. Mas, ao invés disso, tivemos
desdobramentos em relação às tramas de Debbie e Carl. A dedicada Debbie se viu obrigada
a trabalhar como escrava numa fabriqueta de artesanato montada no porão da casa
de Mama Kamala, apenas ganhando comida de acordo com o que fabricasse, e Carl
passou maus bocados com o cuidado paterno intenso de seus pais adotivos.
A situação dela
foi bem mais interessante e a solução, criativa. Dopar Mama Kamala com uma dose
maciça de Benadryl e colar-lhe as pálpebras com uma cola do tipo Super Bonder
foi o estilo de desfecho bem típico de Shameless.
Mas Carl reclamar que seus pais o “torturam” fazendo-o tomar banho, escovar os
dentes e comer salada soou engraçado, mas ridículo. Até Lip deu uma risada. Mas
pareceu não achar tanta graça quando um dos papais disse a Carl que estavam
atrasados para a igreja. Aí me pareceu que Lip deve ter considerado que, se
ficasse sob a guarda do casal gay, Carl teria valores muito diferentes enfiados
goela abaixo e deixaria de ser um Gallagher.
Fiona foi
eficiente em reunir os elementos para requerer a guarda dos irmãos. Insistiu
até um advogado caro lhe prestar o serviço pro Bono. Falsificou a assinatura da
mãe desistindo dos direitos maternos, conseguiu um corpo para se passar por tia
Ginger, comunicou sua morte à polícia (numa cena que sugeriu ser nojenta pelo
estado de decomposição do corpo) e até falsificou um testamento em que Ginger
lhe deixaria a casa. Tudo ao estilo moralmente ambíguo (e francamente ilegal)
dos Gallaghers. Mas, admitamos, foi por uma boa causa.
Já Frank usou de
suas armas favoritas. Enganou a Jody para conseguir suas fichas de sobriedade para
fingir participar dos AA, chantageou emocionalmente o padre para lhe dar um
atestado de bons antecedentes morais, colocou um terno e apresentou seu show de
fingimento ao juiz. Confesso que, em determinado momento, quase acreditei nele.
Frank é uma barata, daquelas que sobrevivem até a uma guerra nuclear, e sempre
tem um truque na manga. É um personagem realmente detestável embora consiga ser
muito simpático a seu modo.
O depoimento das
crianças até que foi positivo, o que mostra mais a boa índole dos filhos do que
mérito algum de Frank. Por incrível que pareça, Carl e Debbie sentem falta de
Frank. Carl está agradecido pelo acampamento e Debbie, simplesmente, é muito
amorosa e valorizou os momentos em que Frank lhe ajudou a aprender a mergulhar.
E a gente torcendo que eles expusessem o pai pelo verme que é, mas a relação de
amor entre os filhos e um pai abusivo é muito complexa e, como os mais jovens
não esperam nada de Frank, o pouco que ele faz é visto com carinho.
O momento mais
comovente, no entanto, foi o de Fiona, que revelou como ela, com seis anos,
dois irmãos pequenos e um doente, foi abandonada na rua pelo pai e teve que
caminhar até a clínica gratuita. Tudo isso para ele aparecer dias depois e só
se preocupar com quanto dinheiro ela tinha. Como já salientei, a carga
dramática foi intensa.
O realismo da
história foi mantido quando o juiz não acreditou nele, chamando-o de “mentiroso
patológico”, mas se revelou impotente para provar que Frank era um incapaz
total. O juiz perguntou a Fiona se, francamente, ela queria assumir a
responsabilidade pelos irmãos, colocando-os à frente das próprias necessidades,
pois uma jovem naquela idade deveria estar se preocupando com faculdade e com
sua vida. Ela hesitou por um momento, mas concordou. E a decisão foi
salomônica: Frank mantinha os direitos paternos, mas Fiona passou a ser a
guardiã legal deles. E Frank, como a lesma que é, concordou uma vez que
entendeu que Fiona ficaria com todas as responsabilidades enquanto que ele
manteria os direitos e eventuais benefícios que estes lhe trouxessem.
Só não ficou
claro como essa divisão de pátrio poder se dará na prática e acho que os
roteiristas espertamente deixaram isso em aberto para gerar conflito nas
próximas histórias. Afinal, em termos de roteiro, o show não pode dispensar um
personagem tão rico quanto Frank e uma interpretação tão magnífica quanto a de
William H. Macy. Por menos que gostemos dele, ele não pode ir embora e ser
excluído da vida dos filhos.
Na conclusão,
tivemos uma pequena surpresa: o testamento falso de Fiona não valeu, pois outro
testamento, este colocando como o beneficiário um tal de primo Patrick
Gallagher, já havia sido arquivado antes. Muita água parece que ainda vai rolar
por essa ponte. Pobre Fiona, está sempre tendo que nadar contra a corrente. Mas
ela é lutadora e tenho certeza de que Patrick não será páreo para ela.
Tramas paralelas:
- A batalha de
Jody para superar o vício em sexo despertado por Sheila até que poderia ser bem
pior. Mas foi patético e estranhamente engraçado quando ele propôs sexo grupal
com Sheila e depois foi pego algemado na cama satisfazendo a si próprio
oralmente, num ato de notável contorcionismo.
- Claro, temos
também que mencionar o pai-garoto de Hymie e sua mamãe tigresa vindo pegar o
filho e levá-lo para longe de Sheila. Ótimo, que suma da história. Criança que
não faz nada de interessante é péssimo personagem.
- A história de
Steve e Estefania está rendendo demais. Steve teve que sair em louca correria
para fingir morar com a brasileira pilantra de modo a enganar a Imigração. Só
não concordo com os roteiristas transformarem Steve num canalha, pois até esse
momento ele parecia ser uma vítima das circunstâncias, forçado pela máfia a se
casar e envolvido em uma situação da qual não sabia sair. Mas agora ele está
traindo Fiona toda vez que Estefania tira a roupa diante dele. Sinceramente, eu
esperava bem mais de Steve, ou Jimmy, nem sei mais.
- Ainda dentro
do mesmo assunto, adorei que o assecla mafioso Nando já está perdendo a
paciência com Jimmy e Estefania. Numa hora ele soltou, em bom português, um “tu
tá de sacanagem”.
- Uma breve cena
de Ian tentando fazer Mickey se abrir enquanto este pratica tiro ao alvo com
muita raiva contida. A coisa não vai terminar bem para Mickey, e vai terminar
pior ainda para o pai. A propósito, é de impressionar como Ian desenvolveu uma
personalidade marcante e se tornou um ótimo personagem desperdiçado em tramas
inconsequentes.
- Vale mencionar
a volta de Karen aos braços da mãe, Sheila. Ela já foi um personagem central na
vida de Lip, mas para mim, não merece mais que uma nota de rodapé. Sua função
era de interesse romântico de Lip e encrenqueira profissional. Mas a vaga já
foi preenchida, e muito bem, por Mandy. Sinto muito, Karen, você pode voltar para
o buraco do qual veio. Mas, infelizmente, Lip ainda sente algo por ela, e isso
vai bagunçar esse triângulo amoroso.
- Eu não podia
deixar de dar um exemplo da enrolação de Frank. Para conseguir a declaração do
padre ele foi muito criativo na argumentação tresloucada:
Frank: “Então é assim? O senhor se recusa a ajudar um pecador arrependido em
busca de perdão? É por isso que as crianças brancas estão debandando para Alá.
Estamos numa guerra por corações e mentes e você está mandando crianças
americanas para campos terroristas no Paquistão! É isso o que acontece quando
você coloca um alemão encarregado da igreja.”
Padre: “Você não vai embora, vai?”
Frank: “É só reimprimir a declaração que você fez na última vez.”
Padre: “Aí você vai embora e me deixa em paz?”
Frank: “Use o papel timbrado da paróquia.”
E aí, o que
achou do episódio? O que você acha de Frank?
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