Tons de cinza.
Nina: “Vocês americanos pensam que tudo é preto e
branco. Para nós, tudo é cinza.”
Phil: “Nosso filho... É real?”
Irina: “Apenas a honra e o dever são reais, Mischa.
Não é isso o que nos disseram?”
Essas duas
partes do diálogo mostram a essência do episódio. Os personagens cujas vidas
estamos acompanhando vivem sob a noção de que o dever e a honra são tudo o que
importa, mas como seguir esse caminho quando o mundo real nos apresenta
situações que não são tão claras assim? E em um seriado em que temos
dificuldade sequer de saber se os protagonistas são os “mocinhos” ou os
“bandidos”, isso fica ainda mais confuso.
A missão
principal dessa vez consistiu em desacreditar Andrzej Bielawski, um ativista
polonês, líder do movimento de libertação da Polônia do domínio soviético. E,
por sua vez, serviu para que conhecêssemos um pouco sobre o passado de Phil, ou
Mischa, que acreditava, no início, que só ficaria um ano separado de sua amada.
Assim, conhecemos
Irina, agora chamando-se Anne, a velha paixão de Phil, interpretada pela
simplesmente adorável Marina Squerciati, cuja interpretação e presença traduzem
bem os sentimentos que Phil uma vez teve, e, parece, de certo modo ainda tem.
Aliás, adorei ver o Mischa (“Phil”) falando russo fluente com Irina. É algo que
dá mais credibilidade e profundidade ao personagem, mesmo que tenha sido
visivelmente dublado. Espero ver mais cenas com os “Jennings” nos seus tempos
de União Soviética.
Mas agora, em
1981, esse não é um encontro romântico; é uma missão para desacreditar um homem
honrado que luta por uma causa justa. E aí vemos como a célula dos Jennings
participa para envolver o pobre coitado, com o jornalista e intelectual Charles
Duluth, suposto amido de Bielawski, “Anne” como a tentação, a armadilha sexual,
e Phil arquitetando todo o plano, que a essa altura parece bem malévolo.
Sinceramente isso deixa a gente pensando por que estamos torcendo pelos
Jennings só porque são os personagens cujas vidas estamos seguindo e a quem conseguimos
ver como seres humanos dignos à sua maneira. Entendemos a parte do dever, mas
nesse ponto a honra já foi jogada pela janela há muito tempo.
A missão em si e
a vida pessoal de Phil se misturam de maneira perigosa quando Irina (prefiro
chamá-la assim do que o totalmente falso “Anne”) revela a Phil que eles tiveram
um filho, que ela ia lhe dizer que estava grávida, mas só não o fez por que
iria impedi-lo de realizar o “sonho” que tinham. Essa, aliás, é uma questão que
merece ser bem melhor explicada. Que sonho era esse? Doarem suas vidas ao
Estado? A propagação do Comunismo? Fingirem-se de americanos ou canadenses?
A ambiguidade da
situação transpareceu mais ainda quando, depois de ela contar a Phil um fato
tão íntimo e significativo para os dois ela diz “estou pronta” e ele, sem a dó
nem piedade, passa a espancá-la como parte da trama para forjar seu estupro. E
quando, no final, Phil (ou será Mischa dessa vez?) e Irina vão para cama, é
porque não resistiram aos velhos sentimentos de paixão? Seria um último adeus
em honra aos velhos tempos? Ou apenas uma fria parte da missão, pois “Anne”
precisava provar na polícia que fora estuprada, portanto teve relações sexuais?
Só achei que
ficou muito apressada a cena do desgraçamento de Bielawski. Na manhã seguinte
após o falso assalto a “Anne” e de ela ter drogado a bebida dele, Charles
adentrou o quarto do polonês acusando-lhe, mostrando-lhe fotos (usadas como
prova na polícia) e dizendo que em breve a polícia chegaria em busca de mais
evidências, mas disse algo como “felizmente tenho amigos e contados na
polícia”, sendo que Bielawski, então, pateticamente diz, “ajude-me, Charles”. (Aliás,
com um amigo desses, quem precisa de inimigos?)
Horas depois,
quando Bielawski anuncia seu retiro do ativismo político, nenhum repórter
menciona o estupro. E se fosse iniciado um processo de estupro, a vida de
“Anne” seria investigada com Raios-X (como ocorreu no caso de Dominique Strauss-Kahn
e a camareira), ela seria chamada para depor diversas vezes, mas, ao contrário
disso, ela decide sumir. Mesmo assim, a administração Reagan fica sabendo do
incidente e retira seu apoio à causa de Bielawski. Para mim não ficou clara a
repercussão do escândalo e o quão efetiva seria essa farsa. Mas, a título de
enredo, Bielawski estava acabado. E a União Soviética ganharia mais alguns anos
de domínio sobre a Polônia, até que Lech Walesa agitasse as coisas com seu
sindicato Solidariedade uns poucos anos mais tarde.
O episódio ainda
teve muitas outras emoções. Elizabeth esteve encarregada de reforçar seu
controle sobre um agente desgarrado, jogador degenerado, antigo contato do
homem que ela matou. E que, no final, lhe entregou os planos do laser do sistema
“Guerra nas Estrelas” de Reagan. E, no processo, Elizabeth mostrou seu lado
ameaçador de sempre.
O melhor momento
foi Elizabeth confrontando Claudia. O modo como as duas leoas trocaram farpas,
com desculpas, justificativas e ameaças de morte mútuas. Eu achei que Claudia
se valeria de sua autoridade e a ameaçaria com o poder da KGB, mas ela preferiu
mostrar seu lado durona e que era uma coisa pessoal entre as duas. Afinal,
Elizabeth é ótima agente, mas tem que sentir a autoridade pessoal de Claudia.
São tantas as
histórias paralelas e importantes... Não podemos deixar de mencionar a
escapadela marital de Beeman. Amador o convida para ir a um bar depois do
trabalho. Aliás, o papel de Amador parece esse mesmo: cometer erros, dizer
algumas bobagens e representar o lado desleixado de Beeman. Parece que Amador,
no FBI, é o estereótipo do funcionário público.
Pois bem, uma
vez no bar Beeman resistiu bravamente ao sorriso de uma loira anônima que lhe
deu bola. Mas isso ocorreu porque ele, afinal de contas, estava mesmo encantado
com a formosa Nina, a quem chama e que corresponde aos seus avanços. E,
novamente, fica a ambiguidade. Nina concorda em fazer sexo com Stan porque
também se sentiu atraída? Ou, já que dormiu com o velhote Vasili, poderia muito
bem dormir com seu agente no FBI favorito de modo a garantir sua colaboração e
até mesmo para ter como chantageá-lo no futuro? Algo me diz que Nina vai exigir
cada vez mais e que Beeman se meteu em uma situação da qual não conseguirá sair
ileso.
Achei pragmática,
mas repulsiva, a atitude de Gaad.
“Quando
se extrai um informante?”
pergunta Beeman.
“Nunca”, responde Gaad sem dó nem
piedade. “Ela andou papando você no café
da manhã?”
“Eu
dei garantias à minha fonte da Rezidentura.”
“Você
lhe disse o que tinha que dizer”, afirma
Gaad.
“Ela
cumpriu sua parte do acordo.”
“Sei,
você só está preocupado com sua segurança. Vou pensar no assunto”, diz Gaad com um toque de
cinismo.
O que, mas uma
vez, traz à tona a ambiguidade da história. Vai considerar mesmo resgatar Nina,
ou disse a Beeman o que ele precisava ouvir assim como Beeman disse a Nina o
que ela precisava ouvir?
No final,
Elizabeth procurou ser o mais terna possível com Phil. E aí vemos a ambiguidade
outra vez. Será que ela está mesmo mais afetuosa? Ou apenas teme que Phil se
torne um elemento que ela não poderá controlar e em quem não poderá confiar em
futuras missões? Até que ponto é sincera?
Falando em
sinceridade, Elizabeth pergunta-lhe diretamente: “algo aconteceu entre você e
Irina?” E ele jura que nada aconteceu? Claramente mentiu, mas não o culpo. E
mais uma vez, a ambiguidade se manifesta: ele mentiu para preservar os
sentimentos de Elizabeth ou porque já confiou nela uma vez e não confia mais? E
por que mentir? Afinal, ela deve saber que os dois dormiram juntos, pois Irina
precisava provar que teve relações sexuais com Bielawski. Bom certamente ele
omitiu o fato de que ele e Irina tiveram um filho, o que não chegou a ser uma
traição, pois aconteceu antes do casamento, e Elizabeth saber só iria complicar
as coisas.
Como vimos,
muito aconteceu tanto no campo da espionagem, quando no lado pessoal dos
personagens. The Americans são vários
programas em um só.
O que você acha?
Resistiria à oferta de Irina de partir com ela? Será que Phil preferiu ficar em
nome da família, do dever e da honra, porque ama Elizabeth, pelas crianças, ou
por que mais? E como ficará a relação entre Nina e Beeman agora? E Gaad tem
alguma intenção de honrar seu acordo com Nina? E por que Paige precisa de
tantos “leg warmers” afinal de contas e o que diabos são “leg warmers”?
Notas:
- Interessante
detalhe da paisagem de Nova York em 1981, com o WTC:
- Phil fez um
novo amigo na convenção: Jerry de Boston, que lhe propôs organizar um programa
turístico para patriotas. Oh, ironia das ironias.
- Chris Amador até
que é um cara divertido:
Amador: “Vai lá e fala com ela.”
Beeman: “Sou casado e com filho, Chris.”
Amador: “E eu sou baixo e careca e isso não me
impede.”
Beeman: “Ela não é meu tipo.”
Amador: “O que você está procurando? Uma doadora de
sangue?”
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