Viver livre ou morrer.
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O significado de FELINA
1) Quando Walt entra no carro coberto de neve e abre o porta-luvas, uma fita K7 da música "El Paso" cai no banco. "El Paso", de 1959, do cantor Marty Robbins, narra a história da jovem Felina, paixão de um atirador. Na série, a paixão Felina de Walter White é, claro, a mentanfetamina. Segundo o criador da série, esta é a verdadeira inspiração para a escolha do nome da finale.
2) Ainda que não seja oficial, FE-LI-NA também lembra os seguintes elementos da tabela periódica: Ferro, Lítio e Sódio, respectivamente. Seria então uma mistura de sangue, metanfetamina e lágrimas.
3) De acordo com o próprio Vince, Felina é um anagrama de finale. Simples e perfeito.
FELINA
O final de Breaking Bad foi justiceiro, vingativo, poético.
Vince Gilligan pegou as características simples que faziam parte da construção
de seus personagens e montou um roteiro completo. Não houve rodeios. Não houve surpresas fora do universo que conhecemos.
Assim, claro, não tinha
como dar errado. Meu grande medo era ver Vince caçar uma forma de extrapolar os
limites do enredo, ou, num linguajar mais “seriador”: explodir nossas cabeças. Convenhamos,
em 6 anos de existência o que esta série genial mais fez foi explodir nossas
cabeças. O final precisava ser conciso, coerente. Precisava concluir. Apenas isso.
Concluir.
E foi isto o que aconteceu.
Primeiro, vimos na cena final de Granite State o ego de Walt
aflorar ao ver seus antigos sócios se desvinculando da imagem do senhor Walt. Que
engraçado. Assumi imediatamente que o pior de Heisenberg estava de volta e que
Elliot e Gretchen podiam dizer adeus a este planetinha.
Mais uma vez, Vince nos surpreende -- dentro do universo de
Breaking Bad -- com uma reviravolta à lá Walter White style. Vocês se lembram da vez que ele conversou com Salamanca para
que ele se matasse e levasse Gus junto (Face Off)? Naquele ponto a única coisa que pensávamos
que não ocorreria entre Salamanca e Heinsenberg era o... diálogo. Mas, bem,
estávamos redondamente enganados.
Com Salamanca a tática era usar o inimigo em comum. Com Gretchen e Elliot a tática de convencimento foi mais um dos recursos mágicos da cabeça
de Walt. Quando ele mencionou que havia pagado dois assassinos para se
certificarem dos passos do casal, pensei: como, a esta altura, ele conseguiu contato
com essas pessoas? Comecei a raciocinar e raciocinar e pronto, lá estava
Breaking Bad de novo quebrando minhas pernas. É óbvio que ele não tinha
como fazer isso. Com a polícia na cola, sem Saul para oferecer seus loucos
contatos, como ele faria isso? Pois eis que lá fora estavam Badger e Skinny Pete (fazendo
uma participação mais que justa na finale) brincando com lasers e aterrorizando
a vida dos antigos amiguinhos de Walt. Que brilhante.
Que coisa linda é imaginar que mesmo depois de sua
morte Heinsenberg ainda vai ter o poder de transtornar vidas e conseguir seu
objetivo final: prover para a sua família.
Tenho que mencionar também a parte em que Walt entra na casa
e fecha as portas, como se estivesse se preparando para um banho de sangue. Me lembrei
por um momento do comecinho de Kill Bill 1 e, oh Breaking Bad, como você me
surpreendeu.
Antes de mudarmos de assunto, vamos comentar a forma que
Walt achou de localizar Elliot. Irônico, não foi? Nem preciso dizer que adorei vê-lo
se passando por jornalista. Mas o que quero falar mesmo é sobre o fato de ele
deixar o relógio sobre o telefone antes de partir. Como esta série nunca faz
nada sem propósito, penso que isso representa o tempo que ele não tem mais. O tempo
curto que ele tinha para resolver “o resto”, e isso nos leva à prece dele no
começo do episódio: “Só me leve para casa, eu faço o resto.”
Esperei muito pela hora em que ele ia descobrir sobre Jesse
estar vivo, o que começou no final de Granite State. E consequentemente descobrir também que ele era prisioneiro, uma
vez que era óbvio para Walt que Pinkman NUNCA voltaria a cozinhar. Mas é nessa
descoberta que estava o xis da questão: iria Walt salvá-lo ou finalmente matá-lo?
Graças aos céus, mais uma vez, Breaking Bad não quis
explodir a cabeça de ninguém. Era mais do que certo que a única alternativa de Walt (para nós) era salvar seu filho postiço para que tudo se fechasse com
chave de ouro. (Todavia, vejam vocês que Vince Gilligan afirmou que o que FEZ a cabeça de White para salvar e não matar Pinkman foi o estado em que ele encontrou seu aprendiz. Por muito pouco não choraríamos sangue nesta finale.)
Daí temos o flashfoward que vimos em Blood Money com
Walt comemorando seus 52 anos, e a cena dele com Skyler
naquele momento de partir qualquer coração.
Skyler sempre foi ambígua, mas mesmo assim não tivemos o
desprazer de vê-la escapar para o lado mais extremo desta ambiguidade. Ela
nunca conseguiu entregar o marido, apesar de constantemente condená-lo e
expulsá-lo de sua vida. Então, caros leitores, o que vimos nesta finale foi
exatamente a mesma coisa de sempre. Ela o ouviu. Ela chorou. E o expulsou.
Nestes preciosos 5 minutos, Walt conseguiu dizer para sua
mulher que não matou Hank. Conseguiu contar para ela onde ele estava enterrado.
Conseguiu, finalmente, admitir que fez tudo o que quis para o seu próprio ego. Conseguiu
se despedir de Holly (haja coração). Conseguiu dizer adeus escondido para o filho (haja coração). Conseguiu, afinal, o que a vida que ele viveu (a única vida que
ele de verdade viveu), entre 50 e 51 anos, lhe permitiu.
O não abraço de Skyler, o não ver Holly crescer, o ódio
eterno de Walter Jr., o ter seu dinheiro rejeitado pela família, o ver sua
família se definhando diante da sociedade, não foi só coerente com tudo o que aconteceu até aqui, mas foi também o preço pago por Walter White por
dar a vida, por gostar e por ser bom em ser Heisenberg.
Mas tudo acabaria aquela noite.
Durante todo este tempo, enquanto Jesse, o já não tão
cão raivoso, alucinava amargamente em seu cárcere, Lydia e Todd faziam negócios. Lá estavam os pombinhos conversando sobre como a
vida andava boa. E lá estava Walt, perspicaz em lembrar da hora e local de
encontrar seus parceiros de negócios, e de ser gentil o suficiente de levar um
adoçante especial para o chá de Lydia. Aí sim é que vemos a verdadeira inteligência do protagonista
em ação. Ele sabe os passos de quem persegue, ele sabe qual será a reação
deles. E sabe que ainda como perdedor sairá ganhando.
Já ao ver Lydia decidindo sobre a vida de Walt, podemos nos
lembrar de Madrigal, onde a vida dela estava em jogo. Lá, Walt, Jesse e Mike
decidiram mantê-la viva para fazer negócios. Aqui ela decidiu justamente o
contrário. A vida de Walt, ou o que era que fosse que ele ainda tinha, não
valia tanto assim.
Então entramos nos momentos finais com Walt indo para a casa
de Jack. Antes pudemos vê-lo montando algo no deserto, e aí já estava claro que
alguma ideia semelhante a de Live Free or Die (quando ele, Jesse e Mike usaram magnetismo
para estragar evidências em posse da polícia) aconteceria. E, mais uma vez, Breaking Bad usou simplesmente o que já havia feito antes. Brilhantemente.
Bom, é claro que aqui não podemos deixar de mencionar Salud,
quando vimos Gus se vingar do cartel pela morte de seu amigo e sócio. Gustavo
Fring, o segundo melhor vilão de Breaking Bad, envenenou seus inimigos e também
tomou do próprio veneno, realizando um dos momentos mais fantásticos da
história da televisão. Walter White matando todos os neonazistas de uma só vez,
pegando-os com as calças arriadas, é, novamente, Vince Gilligan reciclando
sua própria trama. E que trama.
Melhor do que isso, foi ver Jack e Todd ficando,
poeticamente, para o gran finale. Cada
um para seu algoz particular para ter o final que merecia. Jack, claro, morreu
como matou Hank. E olha que poesia: morreu tentando usar o dinheiro de Walt
como vantagem, o mesmo dinheiro que White tentou usar como vantagem para salvar
a vida do cunhado.
Todd matou Andrea. Foi também o assassino do garotinho que
tirou para sempre o sono de Jesse. A consequência seria, claro, a morte dele
pelas mãos de Pinkman. E que morte. Dolorida, impiedosa, cruel. Assim como o
coração de gelo de Todd. E totalmente pessoal. Totalmente e completamente
pessoal.
Para completar a doce vingança, Lydia, ao som de Lydia the Tattooed Lady, liga para confirmar se sua evolução a Heisenberg 2.0 estaria completa. Ora, ora, Lydia. Ora, ora, ricina. Acabou tendo a confirmação que não queria, mas que nos fez sorrir mais uma vez. Ela teve o que merecia.
Partindo para o confronto final, e o mais importante de toda
a série, temos Walt, Jesse e uma arma entre eles. Como sempre a morte e a
tragédia estão entre eles. Mas a diferença é que agora Jesse está diante de um
Walter vencido, e não diante de um Heisenberg lutando contra tudo e todos para
criar seu império. Agora Walter não está tentando convencê-lo, não está
tentando manipulá-lo. É só o homem vencido que está ali. Vencido pelo fracasso.
Vencido pelo câncer. De tão fraco e pálido é mais uma sombra do que um homem.
Mas Breaking Bad é poética além da conta conosco (e nós
somos gratos por isso). Um final com Jesse matando Walt seria poético e
justiceiro também, mas não seria coerente com nossa irreverente e constante
torcida para o vilão-protagonista. Na verdade, seria doloroso demais carregar
isso como o final de Walter Hartwell White.
Então, no coração de Jesse surge aquela pontinha de
gratidão (e a iluminação que vem à sua esquerda é algo como um "raio de luz"). Sim, este homem destruiu a sua vida. Mas, coerentemente ou não, ali
estava a figura mais próxima que ele teve de um pai. Walt tinha acabado de repetir
o que fez na série inteira: salvado Jesse. Quantas vezes não vimos este homem
ir ao extremo para salvar a pele deste jovem?
O engraçado é que o roteiro enfatizou com vigor que ali
estava a “grande chance” de Jesse. A grande chance estava ali, afinal,
diretamente e indiretamente o responsável por ele ter chegado naquele inferno
foi Walter White. Não só a arma representou esta grande chance, mas também o
carro, como bem foi mostrado quando Pinckman saiu praticamente atropelando seu carrasco ao dar ré e ao acelerar.
Apesar disso, também existe o fato de que, ao ver que Walt
tinha sido baleado, tudo o que Jesse precisava fazer era deixar o destino tomar
o seu curso. Talvez ele tivesse a coragem de atirar, e talvez aquela pontinha
de gratidão, e/ou talvez a sua consciência não o permitiram avançar (mais) esta linha.
E só assim então pudemos ver...
Aquele último olhar entre os dois. Era um adeus àquela vida
absurda que juntos viveram. Era um adeus, um graças a deus pelo fim. Era Jesse
dizendo "está tudo certo entre nós". Era Walter dizendo "me perdoe pela dor que te
causei".
Jesse passando por cima dos portões me trouxe à mente a
placa do carro de Walt: LIVE FREE OR DIE. Era ao redor disso que girava tudo
afinal, não? Jesse passou ao que equivale à morte quando esteve no cárcere. E agora
ele se libertou das correntes, derrubou as portas de sua prisão e se libertou
das garras de Heisenberg. Livre, enfim.
LIVE FREE OR DIE era também o ultimato de Walt. Que outro
destino havia para ele? Por mais que digamos que se não fosse pela polícia
seria pelo câncer que ele pereceria, nunca existiu outro fim para Walter Hartwell
White senão a morte. Existiu?
Mas, como Breaking Bad é Breaking Bad e Vince Gilligan é
Vince Gilligan, este destino único foi o que se concretizou e se concretizou com
overdose de poesia. Gente, olha a letra da música que tocava enquanto Walt se
enchia de nostalgia no laboratório:
Guess I got
what I deserved
Kept you
waiting there too long, my love
All that
time without a word
Didn't know
you'd think that I'd forget or I'd regret
The special
love I had for you, my baby blue
Pelo amor de deus, existe algo mais Walter Heinsenberg White
na face desta Terra?
A sequência onde ele admira e toca os equipamentos foi pura
nostalgia. Para nós e para ele que se relembrava de seus dias de glória -- sem
se arrepender de nenhum deles. Então ele põe a mão ensanguentada sobre o galão
onde é produzida a metanfetamina no adeus mais... mais... mais... mais... indescritível que já vi.
E você pensa que isso foi tudo?
O reflexo desfocado revela um Walt de cavanhaque e aparentemente careca. Este adeus aos dias de glória não podia -- jamais -- deixar de lado o adeus à imagem icônica de Heisenberg.
E, enfim, acabou. Depois da despedida vem a morte deste simples homem grande monstro. No laboratório, onde ele se apaixonou por sua Felina, sua Baby Blue. De braços abertos, com lágrimas nos olhos, com sangue escorrendo. E no único lugar onde ele realmente viveu.
Só mais uma vez: perfeito.
Agradecimentos:
Vince, muito obrigada por Breaking Bad. Muito obrigada por criar uma série genial, fantástica e maravilhosa. Obrigada por mantê-la genial, fantástica e maravilhosa. E um infinito obrigada por terminá-la com simplicidade. Não há adjetivos suficientes no mundo para descrever esta sua obra-prima.
Bryan, muito obrigada por Walter White. Muito obrigada por Heisenberg. Obrigada por ter interpretado tão epicamente a metamorfose do homem mais monstruoso que aprendemos a amar. Você merece todos os méritos, todos os prêmios por dar a vida a um personagem que jamais dificilmente será superado. Você é O CARA.
Aaron, obrigada por Jesse. Obrigada por se entregar tão por completo a este menino que tanto amamos. Cada expressão de sofrimento, cada movimento de fragilidade que Jesse viveu foi interpretado com tanta intensidade que vai ser difícil esquecer da dor deste doce menino. E tudo isto é mérito seu. Vai que é tua, Paul.
Anna, muito obrigada por emprestar seus lindos olhos verdes, ora amorosos, ora revoltosos, para Skyler. Sem ela, o mundo de Walt jamais teria sido tão azul.
Giancarlo, obrigada por ter feito Gus tão magistralmente. Sua simplicidade ao interpretar um personagem tão complexo foi a cereja no bolo de Breaking Bad. Você é, sem dúvida, um grande ator.
AMC, obrigada por ter dado uma chance à Breaking Bad e por não ter feito dela sua eterna galinha dos ovos de ouro. Seremos eternamente gratos por você ter dado à série a chance de cumprir seu curso natural sem ter sido esticada e destruída. Um dia ainda te canonizaremos por isso.
Deus, este final de Breaking Bad é prova de sua existência. Valeu, cara.
Agradecimentos do elenco:
Breaking Observations:
- A morte de Walt se assemelha com a de Mike: ambos levaram um tiro do lado por suas próprias armas e morreram em paz.
- ADOREI Walt dando um bilhete de loteria para Skyler. De uma forma ou de outra, o bilhete estava realmente premiado.
- Eu ri do fato de Todd se vestir todo engomadinho, falar todo educadinho e não conseguir nada além de elogiar a blusa da mulher amada. Matar a namorada dos outros é fácil. Conseguir uma é que são elas, né Todd.
- A frase "A deep burning pain in my side" na música "El Paso" remete ao tiro que levou Walter.
- Carol compara Walt com a aparência de Unabomber (nome verdadeiro: Ted Kaczynski), um terrorista que escapou de ser preso por 17 anos apesar de uma investigação federal. Eventualmente, ele foi pego porque sua cunhada e seu irmão suspeitaram dele. Isto remete ao papel Hank e Marie, cunhados de Walt, na perseguição a Heisenberg. Kaczynski também era um homem muito educado e um matemático muito inteligente, que passou um tempo de sua vida morando numa cabana.
- A morte de Todd é semelhante à de Krazy 8 em "...and the Bag's in the River". Mas, numa troca de papéis, Krazy 8 morreu pelas mãos de seu captor com as correntes de uma bicicleta, enquanto Jesse matou seu captor com suas correntes.
- A roupa de White em Felina é semelhante à sua roupa no Pilot: camisa verde, cueca branca, calça bege, jaqueta pastel.
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