Delírios ofídicos.
Confesso que nem
sempre me agrada o humor de Archer, e que ainda ache que as primeiras duas
temporadas foram muito melhores, pois são tantas piadas aparentemente desconexas,
mas no fim o show revela-se criativo e altamente inovador. No final das contas
posso dizer que foi um ótimo episódio e isso condiz com o bom momento de Archer, o show, não Archer, o personagem. Ah, sim, esqueci de dizer: Archer foi
renovado para uma quinta temporada!
O começo foi
pouco promissor, com Archer, Cyril e Ray com seu jipe atolado no deserto e
Archer tendo que ir ao banheiro e negociando com seus colegas o que usaria como
papel: o mapa ou parte do dinheiro para a missão. Típico humor juvenil de
banheiro, inadequado para um show que se diz adulto, até que me caiu a ficha: a
ISIS, ótima paródia da CIA, ia fazer merda com o dinheiro mesmo, pois a missão
era financiar a destruição de um oleoduto em um país que contrariava os
interesses americanos. Merda por merda, que Archer limpasse o traseiro mesmo,
que o dano ia ser menor. Além disso, fica a crítica sobre a falta de
inteligência nos gastos de missões de inteligência. Bem, pelo menos foi essa
minha interpretação, tentando encontrar profundidade onde talvez não haja.
A história propriamente
dita acontece quando Archer, ao fazer suas necessidades, tem sua “cobrinha”
mordida por uma cobra de verdade. Aliás, não é a primeira vez que o lascivo e
descuidado Archer tem um ferimento embaraçoso naquele local. Assim, como ambos
se recusam a chupar o veneno, Ray e Cyril têm que ir atrás de cuidados médicos
urgentes, envolvendo-se em inúmeras trapalhadas. E enquanto isso, Archer começa
a delirar, tendo pesadelos com jacarés, animais aos quais tem fobia.
A cena em que
Cyril, com o auxílio de um dicionário de bolso e muita mímica, tenta se
comunicar, é verdadeiramente hilária. Descobre que a palavra para “serpente” é “Gurpgork”,
mas devido à loucura de um ditador, que mudou a língua local, as palavras que
significam “cobra”, “pão” e “sexta-feira” foram mudadas para coincidirem com o
nome do cachorro do ditador. E cada vez que Cyril tenta explicar mordida de
cobra, os beduínos locais pensam que se trata de uma coisa totalmente
diferente. Ótima sátira sobre as tentativas frustradas de qualquer um de
aprender uma língua estrangeira que, aparentemente, não faz o mínimo sentido.
Enquanto isso,
no quartel-general da ISIS, Malory está preocupada porque perdeu o contato com
a equipe, e Lana, ao descobrir que o objetivo da missão é explodir um oleoduto
e causar um desastre ambiental, tem uma taque de moralismo, só para constatar
que todo seu moralismo e ativismo é só da boca para fora, pois, como lhe lembra
Cheryl, se ela quisesse mesmo fazer diferença, pediria demissão e colocaria em
prática seus princípios. Mas, ao invés disso, prefere compactuar com uma
oprganização corrupta porque sabe que, quando Malory se aposentar, Lana será
promovida a líder. E mandar em seus atuais colegas é muito mais gratificante do
que salvar o mundo, não é mesmo?
A parte mais
significativa do episódio foi o delírio de Archer sob o feito da mordida de cobra.
Ele tem uma experiência do tipo “pós-vida” com um anjo “interpretado” por James
Mason sendo seu guia por alguns momentos-chave de sua vida que foram decisivos
para tornar Archer o homem que ele é agora. Só que Archer não está nem ligando
para isso e o que o “James Mason” mostra também não faz muito sentido. Mas toda
a falta de sentido até que faz sentido, afinal Archer está “viajando”, ardendo
em febre e morrendo por causa do veneno de cobra em seu sangue.
A propósito,
todo o delírio é baseado no filme “O Céu Pode Esperar”, de 1978. Suponho que,
nos EUA, seja um filme muito conhecido para valer a referência, mas esta me
pareceu obscura demais e provavelmente passou batida por boa parte do público.
De qualquer modo, a paródia foi engraçada e, para quem não conhece, vale a pena
conferir o filme.
No delírio,
Archer é levado à época em que tinha dezoito anos e ele decidia se aceitava uma
bolsa em uma prestigiada instituição. Aliás, a cena é ótima e a arte,
impecável. Pelo cenário e pelos “figurantes”, sempre que o “passado” é
representado, eles exageram bem, o que acentua o absurdo, e parece que Archer
tinha 18 anos na década de 1930.
Pois, bem,
Archer conhece uma mulher misteriosa que mudaria sua vida, uma verdadeira “femme
fatale”. Teria Sterling Archer encontrado seu primeiro e verdadeiro amor? Que
nada! Não se esqueçam que Archer é
uma paródia a filmes de James Bond, então descobrimos que ela não passava de
uma doida varrida que lhe dá um tiro, e aí vemos mais uma vez como as ações de
mais uma maluca prepotente moldaram o caráter de Sterling Archer.
Depois, “James Mason”
leva Archer para o seu aniversário de 6 anos, quando o garoto Sterling,
abandonado pela mãe, e vestindo seu pijaminha de jacarés, recebe a visita de um
homem misterioso, que lhe traz um presente de aniversário, justamente um jacaré
de brinquedo. Acontece que, na época, Archer adorava jacarés. O que poderia ter
mudado?
Eis que o homem
lhe revela no melhor estilo Star Wars: “Sterling, sou seu pai verdadeiro...” E,
nesse exato momento, Archer tem um lampejo de clareza. Finalmente aprende a
identidade de seu pai, e um de seus (inúmeros) traumas é resolvido! Pelo menos
uma coisa de útil Sterling Archer aprendeu nessa bagunça toda. Mas nesse exato
momento, Cyril lhe injeta o antídoto antiofídico e Archer acorda. Archer diz
que teve uma revelação. Quando lhe pergunta o que foi, ele diz: “Não me
lembro...” Ou seja, parece que ele não aprende nada afinal.
Pérolas
do diálogo:
Archer: “Você tem pernas biônicas. Levanta essa droga de jipe, droga!”
Ray: “Ele disse, de repente todo pró-biônico.”
Lana: “Por que vocês duas não tomam coragem e me ajudam a enfrentar Malory
para impedir a explosão do oleoduto?”
Chery: “Ora, por favor. Se você realmente se importasse, você se demitiria,
mas não tem jeito de você fazer isso porque você só está contando os dias até
que ela, com sua face inchada e amarelada por falha hepática, telefona para
você em seu leito de morte e, num sussurro gutural, explica para você que o Sr.
Archer é totalmente incompetente e que você, a eternamente sofredora Lana Kane,
é a única qualificada a dirigir a ISIS, e você chorará lágrimas de vergonha
porque você sabe que esse lugar terrível é o único amor que você jamais terá.”
Lana: “Ah... Com licença, tenho que sair...”
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